quinta-feira, 7 de junho de 2012

18. Doenças e agravos de saúde no município

Nos últimos quarenta do século XIX é possível associar certas endemias em Santa Cruz do Rio Pardo, às transformações geográficas decorrentes das ocupações territoriais, destacando a leishmaniose, ativa no planalto e vale, a febre tifoide e a tuberculose transmitida por via aérea, ou adquiridas também pelo consumo de leite contaminado, e as epidemias de febre amarela silvestre e a varíola. 
Associavam-se às doenças hídricas, estas decorrentes pela posição urbana de "Santa Cruz, localizada às margens do Rio Pardo, donde vinham outros mensageiros da morte, o 'anofele', transmitindo a malária, infernizando a população com surtos de impaludismo, deixando em suas vítimas, para sempre, vestígios do mal." (2004: 65).
Essas doenças eram frequentes causas de mortes na população em geral, consequências ou advindas de grandes surtos, sendo real que Santa Cruz era uma povoação assolada por epidemias palustres.
Nos óbitos levantados para a época, mostrava-se elevado o número de mortalidade infantil, no município, para menores de um ano, a ter como causa principal certa, pelos conhecimentos atuais, a diarreia, seguido da pneumonia e desnutrição, enquanto os óbitos perinatais estariam relacionados às condições das gestantes, revelam ausência da assistência ao parto e ao recém-nascido, e dos fatores relacionados à prematuridade.
Outra constatação, igualmente pelos registros de falecimentos, os índices de mortalidade materna eram altos, cujas causas apontadas "incômodos de mulheres e partos" quando já se sabiam casos de infecções às hemorragias, naquilo que diz respeito à gestação e parto, ou pela tuberculose e definhamento anêmico.
Estudos de Bassanezi e Bacellar apontaram para a Santa Cruz do Rio Pardo de 1866, o nascimento de 235 crianças – sexo não especificado (Revista Brasileira de Estudos da População, 2002: 16), revelação de alta taxa de fecundidade e, por aí, as compreensões porque morriam tantas crianças e mães.
A expectativa de vida das mulheres era baixa, observadas porque geralmente o homem casava-se duas ou três vezes. Também os falecimentos de mulheres, independentemente da classe social, relacionavam-se às condições a que eram submetidas pelo sistema patriarcal e no que diz respeito ao processo reprodutivo.
Das mesmas maneiras eram notórias as mortes por peçonhas e moléstias adquiridas, pelas ausências de saneamento básico e ou medidas profiláticas.
Santa Cruz tinha outras agravantes. O engenheiro Francellino Faria da Motta alertava para os problemas de saúde pública em razão do Cemitério, onde hoje o fórum e adjacências, que então se divisava com um rego d'água vindo de nascente nas proximidades, a correr em direção ao ribeirão São Domingos.
Motta sabia do necrochorume – o líquido da decomposição dos cadáveres, composto de substâncias tóxicas, principalmente da putresina e a cadaverina, que contaminam fontes como as nascentes e águas subterrâneas em pequena profundidade, a dar causas epidêmicas de febre tifoide, doenças infecto-contagiosas a exemplos de hepatite, poliomielites e outros focos com graves danos à saúde.
Eleito vereador, em 1894, Dr. Motta enfim realizou o intento de ver construído o novo local para o destino final dos mortos e o fechamento do antigo cemitério.
O mesmo engenheiro/vereador Motta lutou arduamente para tratamento da água no município, que esta fosse encanada "para que deixe de ser o rego d’água foco permanente de febres palustres e uma fonte de despejos contínuos."
Também era a luta de Motta a construção de um matadouro municipal para abate de bovinos e suínos, com local sugerido ao final da Rua General Osório, abaixo da ponte, próximo aonde o deságue do Ribeirão São Domingos no Rio Pardo, com a devida fiscalização municipal, em questões de higiene e saúde.

16.1. Os primeiros médicos em Santa Cruz 

Com o ingresso dos imigrantes italianos, a partir dos anos de 1880, pela imigração subsidiada para as lavouras de café no Planalto Ocidental Paulista, também chegaram os profissionais médicos, da mesma origem, e distribuídos pelas colônias conforme fixadas.
As ocorrências dos grandes surtos de doenças e mortes consequentes, de concidadãos em terras brasileiras, levaram o governo italiano a impedir novas saídas migratórias - por períodos, enquanto enviava médicos para as colônias já estabelecidas.
Os médicos enviados pelo governo italiano eram autorizados no Brasil para o exercício da medicina, embora nem todos reconhecidos legalmente médicos. Esses doutores recebiam ajudas de custo do governo de origem, complementados ou, com o tempo, integralmente pagos pelas colônias através de arrecadações mensais.
Também se preocupava o governo brasileiro. No sertão, as epidemias eram terríveis, às vezes a uma sucedia-se a outra ou até misturavam-se, como a varíola de 1891 que em certo período, em algumas regiões, coincidiu com a febre amarela.
As atitudes dos governos italiano e brasileiro, com a política de saúde, tornaram o sertão mais salubre e atrativo ao progresso, a facilitar que outros médicos, de famílias abastadas, a interiorizarem-se como fazendeiros, políticos, além do exercício regular da medicina.
Ser médico 'pobre' no sertão do século XIX e primeiras décadas dos anos 1900 era uma aventura, por isso quase ninguém arriscava, mas aos doutores fazendeiros e aqueles pagos pelo governo – geralmente de famílias ricas, o sertão era, sem dúvidas, campo excelente para se ganhar dinheiro e influências.

18.1.1. Dr. Samuel Genuta 
O primeiro médico oficialmente reconhecido em Santa Cruz do Rio Pardo foi o italiano Samuel Genuta, estabelecido no lugar a partir dos anos 1880. 
Com segurança documental sabe-se dele no lugar desde 20 de setembro de 1883, comprovada sua presença por assinatura e profissão apostas num abaixo-assinado, juntamente com outros moradores, encaminhado à Assembleia Provincial de São Paulo, reivindicando elevação do lugar à condição de Comarca (ALESP, PR 84.07).
No indicativo das profissões para Santa Cruz do Rio Pardo, ano de 1888, Samuel Genuta era o único medico relacionado no município (Almanach (...), 1888: 623).
Outros documentos oficiais atestaram Samuel Genuta presente em Santa Cruz do Rio Pardo, identificado médico, residente à Rua Saldanha Marinho, inclusive inscrito no rol de eleitores de 1890 a 1894, quando deixou a história local.
Dr. Genuta foi testemunha do Deputado Emygdio José da Piedade, em inquérito policial, teve participação em eventos sociais e foi ‘padrinho’ de batismo, com Malvina Gonçalves de Oliveira, da menina Julieta, nascida em 23 de abril de 1893, filha de Moyses Nelli e dona Leocádia de Oliveira Nelli .
Afora os documentos oficiais, Rios presta outras informações sobre o médico Genuta, morador em Santa Cruz do Rio Pardo "perto do Ribeirão [São Domingos], numa casa de tábua", e foi ele o "médico de Joaquim Manoel de Andrade e de outros grandes fazendeiros." (2004: 66), sendo de competência e bondade tanta que 'atendia todo mundo e não cobrava de ninguém', evidentemente dos pobres.
Embora conste registro de farmácia na localidade, no seu tempo, dizia a tradição que o médico preparava os medicamentos.
Dr. Genuta tinha em sua propriedade um galpão construído em madeira, para os cuidados e isolamentos de enfermos graves.
Com atenções voltadas aos pobres hansenianos, sua chácara tornou-se posteriormente conhecida por 'Domicílio dos Leprosos'.

18.1.2. Dr. João Candido de Souza Fortes 

Dadas as sucessivas ocorrências epidêmicas no interior paulista, as autoridades sanitárias e políticas optaram pela intervenção nos serviços de saúde pública dos municípios, através da descentralização das atividades de competência do Estado, pelas Delegacias de Higiene diretamente subordinadas à Inspetoria de Higiene.
Em 1891 por ato do Governo do Estado de São Paulo, pela Inspetoria de Higiene, "Foi nomeado para exercer o cargo de delegado de hygiene de Santa Cruz do Rio Pardo o cidadão dr. João Candido de Souza Fortes." (DOSP, 13/08/1891: 4).
Dr. Candido Fortes, legalmente habilitado para o exercício da medicina, inscrito e com diploma registrado junto à Diretoria do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, foi a primeira autoridade sanitária residente no município.
Sua nomeação para Santa Cruz teve por objetivo principal combater, em 1891, a pior epidemia de varíola da história do lugar, situação amplamente observada e comprovada, oficialmente, em diversas publicações pelo Diário Oficial de São Paulo.
Fortes fez uso sistemático do serviço de telégrafo sediado em Botucatu, para pedidos de vacinas e medicamentos urgentes para o combate à epidemia. As vacinas e os principais medicamentos vinham São Paulo a Botucatu, pelo transporte via férrea, onde apanhadas pelos estafeteiros, particularmente contratados ou voluntários, que se revezavam pelos caminhos.
Exitoso no combate à epidemia de 1891, Dr. Fortes continuou à frente dos serviços de saúde pública municipal nos anos de 1892 e 1893.
Paralelo à medicina, Fortes foi Juiz Substituto de 14 de junho a 26 de julho de 1892 (DOSP, 10/03/1893: 4) de março de 1893:4). Além de Major – Cirurgião-Mor da Guarda Nacional (DOU, 04/11/1893: 1) e eleitor no município. Casado com Dona Amélia d’Alcantara Fortes, em Santa Cruz do Rio Pardo lhe nasceu a filha Amélia, batizada aos 10 de junho de 1893.

18.1.3. Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré 

Em 1895 Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré exercia a medicina particular em Santa Cruz do Rio Pardo (O Paranapanema, 30/11/1895: 3).
Dr. Francisco Sodré, ou Dr. Chiquinho, como era conhecido, durante dez anos de sua permanência no município, jamais apresentou o registro médico obrigatório para o exercício legal da profissão no Estado de São Paulo.
Seu nome não constou como médico registrado e autorizado, nas publicações sazonais do órgão estadual fiscalizador das profissões de saúde, pela Diretoria do Serviço Sanitário. Viria ser denunciado exercente ilegal da medicina (Correio do Sertão, 04/abril/1902: 4, e outras edições), conforme acusações do advogado Dr. Olympio Rodrigues Pimentel. 
Apesar do nome de Francisco de Paula de Abreu Sodré não constar no registro oficial obrigatório de médicos no Estado de São Paulo, portanto no exercício ilegal da medicina, Dr. Chiquinho Sodré era diplomado facultativo, informado num despacho da Secretaria do Estado do Interior de São Paulo: "Remmeteu-se ao presidente da camara municipal de Santa Cruz do Rio Pardo o diploma de medico do dr. Francisco de Paula de Abreu Sodre, para lhe ser entregue devendo elle assignal-o em sua presença e passado com recibos que devem ser remettidos a essa secretaria, para os devidos fins." (DOSP, 31/07/1897: 2, sem informações por qual faculdade).
Ainda assim, Sodré não providenciou o competente registro, obrigatório de acordo com o artigo 49 e parágrafos da Lei nº 432 de 03 de agosto de 1896.
Segundo tradições sertanejas, que chegaram aos dias atuais, o 'Dr. Chiquinho' teria cursado medicina no exterior [Estados Unidos da América do Norte] e formado em 1892 / 1893, portanto antes de fixar residência em Santa Cruz do Rio Pardo.
Versão complementar acrescentou-lhe compra de diploma estadunidense, talvez relato firmado em notícia veiculada no final do século XIX: "Foi preso em Nova-York um sujeito de fina estopa, que andava vendendo diplomas de medicina por modico preço, no máximo 100$000 (câmbio ao par)" (DOSP, 12/09/1893: 10-11). 
Surpreende o fato porque Sodré jamais cuidou do registro obrigatório de seu diploma de médico, para o exercício legal da profissão. Displicência, talvez.
Em 1898, Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré, ocupava o cargo de Delegado de Higiene, em compromisso, com atuação na epidemia de varíola daquele ano, assessorado por dois enfermeiros contratados pelo Governo do Estado.
Dr. Sodré manteve consultório em Santa Cruz do Rio Pardo até 1905 (O Progresso, 29/01/1905: 2 - anúncio publicitário), sendo de interesse frisar que seu irmão, Balthazar de Abreu Sodré, era oficial de farmácia e dono de estabelecimento congênere, em Santa Cruz, desde 1893.

18.1.4. Dr. Ernesto Torres Cotrim
O médico, Dr. Ernesto Torres Cotrim, chegou a Santa Cruz do Rio Pardo, por volta de 1898, vindo da localidade de Campos Novos do Paranapanema [Campos Novos Paulista].
Cotrim apareceu na história do Vale do Paranapanema, após passagem por Jaboticabal-SP (Correio Paulistano, 22/03/1890: 2 – exoneração a pedido).
Clinicou na localidade de Campos Novos do Paulista – à época Campos Novos do Paranapanema, pelo menos até 1897, de acordo com publicação em Diário Oficial do Estado, datado de 19 de setembro daquele ano, "Da Secretaria da Justiça - transmittindo uma representação do dr. Ernesto Torres Cotrim, residente em Campos Novos do Paranapanema, contra o exercicio pratico de medicina que o cidadão João Vieira Teixeira da Silva está fazendo naquella localidade. Á Directoria do Serviço Sanitario."
O médico metera-se com Teixeira da Silva, protegido do chefe político da localidade, o temível Coronel Francisco Sanches de Figueiredo, e, assim indisposto, transferiu-se para Santa Cruz do Rio Pardo, aonde também se envolveria na política, nos primeiros anos do século XX, precisando, inclusive, deixar o município.
Cotrim foi o ultimo médico a chegar em Santa Cruz, ainda no século XIX.

18.2. Outros profissionais de saúde
18.2.1. Farmacêuticos 

Rios (2004: 32) informa que Manoel Pereira Alvim foi o primeiro dono de farmácia e/ou farmacêutico em Santa Cruz, mas não precisa o ano.
Por volta de 1880, relacionou-se no exercício da profissão o Capitão da Guarda Nacional, depois Major e Coronel, Manoel Antonio de Oliveira. Oliveira tem o seu nome lançado como eleitor santacruzense, numa ata de 1883 (ALESP PO 88_110), aonde aparece sua profissão.
No ano de 1893 Balthazar de Abreu Sodré requereu registro de abertura de farmácia (DOSP, 18/03/1893: 2), e em 1895 noticiou-se seu registro como Oficial, então proprietário da Farmácia Popular, situada defronte a Igreja Matriz (O Paranapanema, 30/11/1895: 4). Foi denunciado algumas vezes por exercício ilegal da profissão.
Na epidemia de varíola de 1895/1897, na localidade do Óleo – então bairro rural santa-cruzense, destacou-se o farmacêutico Adolpho Manoel Loureiro, conforme referência publicada no Correio do Sertão aos 24 de fevereiro de 1902.
Em 1896, Joaquim Fernandes Negrão, requereu autorização para trabalhar em Farmácia de sua propriedade, na qualidade de Oficial (DOSP, 21 de abril de 1896).
Antonio Sanches Pitaguary de Araujo, em 1900 é mencionado Farmacêutico, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, diploma mencionado à disposição junto à Secretaria do Estado - Interior, São Paulo, em julho 1900 (DOSP, 29/07/1900: 6), e encaminhado em agosto do mesmo à Câmara Municipal (DOSP, 02/08/1900: 1), para assinatura e entrega ao profissional. Seu estabelecimento situou-se à Rua Saldanha Marinho.

18.2.2. Cirurgião-dentista
Foi cirurgião-dentista em Santa Cruz, Zepherino Bretas, Capitão da Guarda Nacional, anunciado em documentos da Instituição no ano de 1892. Bretas foi notório fazendeiro no ramo cafeeiro. Anos depois Bretas exerceu a profissão de Dentista em Avaré-SP.

18.2.3. Enfermeiros
Dois profissionais enfermeiros foram oficialmente nomeados para Santa Cruz do Rio Pardo, em 1898, durante a epidemia de varíola: Alexandre Francisco da Cruz e Avelina Barbosa (DOSP, 14 de junho de 1898).

18.2.4. Parteiras
O sertão deve muito às parteiras, infelizmente quase todas anônimas ou sem sobrenomes.
Em algum tempo do século XIX, pelo menos desde 1874, a mulata Inocência tornou-se conhecida parteira, e adentrou outros trinta anos de profissão no século XX. Queiroz refere-se a ela como parteira (1966: 195).
Nhá Inocência teria realizado parto, de um dos filhos, de Rita Generoza de Andrade – consagrada Ritinha Emboava, por volta de 1875.
A tradição conta e a própria Inocência afirmava que sua mãe e sua avó foram parteiras, e delas teria herdado os conhecimentos e as práticas.
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Capítulo complementar
http://satoprado-ebook.blogspot.com/2014/07/1883-saude-no-sertao.html

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