A Lei Provincial nº 7, de 13 de fevereiro de 1884 elevou à categoria de comarca o termo de Santa Cruz do Rio Pardo.
Lei inócua, a Comarca não foi instalada de imediato, antes, transformou-se em disputas de interesses, conflitos e contradições.
O Correio do Sertão, em sua edição de 19 de julho de 1902, numa retrospectiva à história local, praticamente transcrita por Rios, foi o primeiro esclarecimento dos fatos: "Em 1884 o Termo elevou-se à categoria de Comarca pela Lei Provincial nº 7 de 13 de fevereiro, continuando, porém, o Termo anexado à Comarca de Lençóes, por falta de verba orçamentária, assim continuando até 1.º de abril de 1889, época em que foi instalada a Comarca pelo Dr. Augusto José da Costa." (Rios 2004: Introdução).
Junqueira (2006: 77-82), pelo depreendido, descreve a criação da Comarca em 1884 e as dificuldades para sua instalação, pelas disputas políticas entre Lençóis Paulista e Santa Cruz, da participação em contrário do Judiciário da Comarca lençoense, e dos argumentos e apreciações favoráveis da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, sem, contudo, resultados práticos, até apresentar o rol de Juízes, sendo o primeiro deles Augusto José da Costa, entre 1892-1905.
Oliveira Zanoni assegurou Santa Cruz "elevada em comarca por Decreto Imperial em 3 de janeiro de 1889" (1976: 59), e fornece a listagem dos primeiros juízes da Comarca, a partir do Dr. Augusto José da Costa.
São informações contradizentes e não se ajustam. Antigos documentos confirmam que a criação da Comarca aos 13 de fevereiro de 1884, pela Lei Provincial nº 7, teve disputa jurídica e política entre o Judiciário de Lençóes [Lençóis Paulista] e a Câmara Municipal de Santa Cruz, quanto à efetiva instalação da nova Comarca, com o primeiro a não concordar com as decisões da Assembleia Provincial e do Governo de São Paulo em conceder aquela emancipação judiciária, enquanto a segunda a ensejar instalação imediata do foro conquistado.
A intriga não era recente. Já antes, a elevação de Santa Cruz à Termo de Comarca, aos 27 de setembro de 1877, causou série de dissensões atrasando, em alguns anos, a efetivação granjeada, somente ocorrida em 1880, com a nomeação do primeiro Juiz Municipal, Antonio José da Rocha, para Termo Reunido à comarca de Lençóes.
Embora Comarca definida em Lei desde 1884, a situação não estava definida em 1888, quando o Governo de São Paulo mencionou Santa Cruz do Rio Pardo qualificada por Termo Jurídico da Comarca de Lençóes (RG, BN 1033, 1888: A8 – 6-7).
As disputas para a instalação ou não da Comarca de Santa Cruz extrapolaram os limites da Província, remetido o processo então para o Ministério da Justiça Imperial.
A queda do Império encaminhou o expediente para a decisão do Primeiro Governo Republicano em 1890, concluído pelo Decreto Federal nº 114, de 03 de janeiro de 1890, que "É declarada de primeira entrancia a comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, creada no Estado de S. Paulo pela Lei n. 7 de 13 de fevereiro de 1884" (Decretos do Governo Provisório, 1884).
Santa Cruz, portanto, de acordo com o decreto republicano, foi classificada como Comarca de 1ª Entrância, e o Governo de São Paulo assim reconheceu que, "No regimen actual foram classificadas as 15 comarcas seguintes, creadas por leis anteriores à proclamação da república: – (...), Santa Cruz do Rio Pardo (...)," (RG U 1145, 1890: 11).
Ao Governo da Província competia, nos últimos tempos do Império e apenas no âmbito de sua jurisdição, criar comarcas e nomear juízes, todavia, com a implantação da República, em 1889, e a transição para a instituição do federalismo, tornou-se competência do poder central decidir a formação jurídica dos seus entes federados, com o desaparecimento da organização de justiça única.
Quando da decretação federal nº 114, o Coronel Emygdio José Piedade respondia, por nomeação, pelo Juízo Municipal local, e seu filho Arlindo Crescêncio Piedade era o Juiz de Paz, então primeiro suplente do Juiz Municipal.
Dr. Augusto José da Costa foi o nomeado, conforme Ato do Ministério da Justiça, de 11 de janeiro de 1890, "juiz de direito da comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em São Paulo, ficando sem effeito a nomeação para a de Paranapanema." (DOU, 12 de janeiro de 1890, Seção I, página 2).
O Governo de São Paulo confirmou ao nomeado, o dia 1º de março de 1890 para a instalação da Comarca (Correio Paulistano, 12/02/1890, página 1), ato realizado e informado à Assembleia Legislativa: "Comarca – Santa Cruz do Rio Pardo, classificada por Decreto n. 114 de 3 de janeiro de 1890. – Instalada em 1º de março." (RG U 1145, 1890/1890: A-181), com a posse do Juiz.
O Decreto 114 preservara a figura do Juiz Municipal, como primeiro substituto do Juiz de Direito, sendo nomeado o advogado Arlindo Vieira Paes, aos 23 de fevereiro de 1890 (Correio Paulistano, 23/02/1890: 1).
Para a Comarca de Santa Cruz foram incorporados os municípios de Campos Novos [Paulista], São Pedro do Turvo, e Espírito Santo do Turvo.
Pela Lei nº 80, de 25 de agosto de 1892, Campos Novos Paulista desanexou-se da então Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, para se tornar sede de comarca de todo o sertão adiante desde suas divisas com São Pedro do Turvo.
20.1. O Poder Judiciário local
O Poder Judiciário local era instituição interpretativa oficial, ou constitucional, encarregada em distribuir a todos a justiça com equanimidade, através do Juiz de Direito, fundamentado na legislação civil, com o comedimento, imparcialidade e retidão nas ações e nos julgamentos.
Santa Cruz tornou-se Comarca em 1884, mas não lhe atribuíram os limites territoriais de atuação nem lhe nomearam um Juiz de Direito para o exercício da jurisdição. Sem a organização judiciária definida, consequentemente não lhe foi instalada a sede.
Efetivou-se Comarca apenas em 1890, de primeira entrância, classificação pelo tamanho – população e eleitorado, para a qual nomeado um Juiz de Direito – bacharel em Direito, cumpridas regras e quesitos para nomeações e posses, variáveis. O Juiz nomeado deveria residir no local.
Entende-se para Santa Cruz do Rio Pardo que o primeiro Juiz de Direito – Dr. Augusto José da Costa, assim como seus substitutos legais, se entrelaçou com a política mandatária, primeiro do Coronel republicano João Baptista Botelho, depois com o seu próprio irmão e sogro, Dr. Antonio José da Costa Junior, e com Francisco de Paula de Abreu Sodré.
20.1.1. O Juiz de Direito Dr. Augusto José da Costa
O primeiro Juiz de Direito, titular para Santa Cruz do Rio Pardo, foi o Doutor Augusto José da Costa, nomeado por Ato do Ministério da Justiça de 11 e publicado aos 12 de fevereiro de 1890 cuja posse no ato da instalação da Comarca, em 1º de março de 1890.
Dr. Augusto registrou-se eleitor aos 10 de abril de 1890, em "Alistamento dos Eleitores do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, de 1890", informando idade de 29 anos, casado e residente na Praça da Liberdade, atual Praça Deputado Dr. Leônidas Camarinha.
Era casado com a sobrinha Euridice de Macedo Costa – Dona Nhanhã, filha de seu irmão Antonio José da Costa Junior (Correio do Sertão, 13/12/1902: 1).
Tinha experiência judiciária, exercendo antes o cargo de Juiz Municipal e de Órfãos na Comarca de Guaratinguetá - SP, conforme observações em publicação oficial de 1885 (Correio Paulistano, 10/11/1885). Teria sido nomeado para a Comarca de Paranapanema, ato sem efeito, na mesma publicação que o colocou em Santa Cruz do Rio Pardo.
Nas ausências do Dr. Augusto, o cargo era ocupado pelo Juiz Municipal, destacados, cada qual ao seu tempo, o Dr. Arlindo Vieira Paes e o Capitão Bernardino Antonio Pereira Lima.
Dr. Augusto enfrentou dois casos emblemáticos na história do judiciário santa-cruzense, do século XIX. O primeiro em 1892, quando do assassinato cometido por Antonio Evangelista da Silva – o futuro Coronel Tonico Lista, contra dois soldados da Polícia de São Paulo, na zona do meretrício. O outro, o 'Crime da Mãozinha', em que uma fazendeira, traída pelo marido, mandou assassinar a amante e a criança nascida daquele romance, exigindo que a mão infante lhe fosse entregue como prova do sucesso da empreitada.
Absoluto no cargo de Juiz de Direito da Comarca, desde 1890, Dr. Augusto José da Costa tornou-se fazendeiro, e assistiu seu irmão e sogro, Dr. Antonio José da Costa Junior e o outro genro deste, Dr. Francisco de Paula Abreu Sodré, assumirem o controle político local no início do século XX.
Deixou a Comarca em 1905.
20.2. Promotoria Pública
A Promotoria Pública, em meado do século XIX, era vista como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, Órgão defensor da sociedade, atuando em defesa dos interesses do Estado e nos juízos de crimes.
Para o exercício das funções de Promotor Público, escolhia-se um advogado da localidade para determinada representação, podendo o juiz nomear até mesmo um leigo, com as devidas justificativas.
O primeiro Promotor Público, legalmente investido no cargo, foi o Doutor Augusto Elysio de Castro Fonseca, nomeado em 23 de novembro de 1887, assumindo exercício aos 23 de dezembro do mesmo ano (RG, BN 1033, 1888/1889: 6-7). Santa Cruz era Termo Reunido da Comarca de Lençóes – Lençóis Paulista.
A posse do Dr. Fonseca precisou ser remarcada porque tal não acontecera na presença do Juiz de Direito da Comarca de Lençóis, que se encontrava presidindo Tribunal de Júri em Santa Cruz do Rio Pardo.
No exercício de 1888 estava no exercício da Promotoria Pública o Dr. Gaspar Mena Barreto Falcão, após o qual e com a efetivação de Santa Cruz do Rio Pardo como Comarca, foi designado Promotor Público o Dr. José Bathazar de Abreu Cardozo [Cardoso] Sodré (DOSP, 07 de junho de 1891, página 5).
Dr. Cardozo Sodré era tio de Francisco de Paula de Abreu Sodré, casado com a sobrinha/cunhada do Juiz Augusto José da Costa Francisco viria ser líder político em Santa Cruz, nos primeiros anos do século XX.
O Promotor Cardozo Sodré deixou o cargo quando nomeado Juiz de Direito para a Comarca de Campos Novos do Paranapanema (DOSP, 22/12/1892: 1), substituído pelo Dr. Cleophano Pitaguary de Araujo, por Decreto de 23, publicado em Diário Oficial do Estado de São Paulo, edição de 25 de dezembro de 1892.
Dr. Pitaguary de Araujo teve exoneração a pedido (DOSP, 04/09/1894) e a vaga decorrente suprida pelo bacharel Octaviano de Aguirra Camargo, vindo da Comarca de Avaré (DOSP, 14/09/1894: 1).
Camargo pouco ficou no cargo. Em janeiro de 1895: "Por decreto de 26 do corrente foi nomeado promotor publico da comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, o bacharel Waldomiro Silveira." (DOSP, 30/01/1895: 1).
Dr. Silveira teve passagem insólita pela Comarca, com o denominado 'Crime da Mãozinha', não resistiu às pressões e pediu demissão do cargo (DOSP, 13/01/1898: 8, Decreto de 11/01/1898), e nomeado o bacharel Arlindo Vieira Paes, (DOSP, 13/01/1898: 8), que se manteve no cargo até o ultimo ano do século XIX.
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Capítulo complementar
Fim do império e o início republicano - 4. Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo
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